Proposta de Conto: That was the night when I finally understood why people fear silence


Estranho recordar daquele dia. Parando bem para pensar, não havia nada de extraordinário nele. Levantei no horário de costume, comi o que sempre comia, ouvi o que sempre ouvia, até esbarrei nas mesmas pessoas de sempre. Nada naquele dia trazia presságios ou anúncios da anormalidade vindoura. Acredito que seja assim, não? O que foge da rotina nos pega de assalto, nos marca sem sutileza.
Do trabalho para casa pouco posso descrever: ruas agitadas, murmúrios em colmeia, cheiro de gordura vindo do bar da esquina... Mais uma quarta-feira solitária de discussões futebolísticas sobre times da segunda divisão. Estava exausto, cansado até para tomar aquela gelada arriscando um convite de companhia para a recepcionista do prédio, com a possibilidade de prolongar o encontro até o meu apartamento. Quando o usual sufoca, a solidão soa como boa parceira.
Cumprimentei os vizinhos no elevador, são tantos os rostos que circulam por lá que fica difícil de montar um catálogo mental. Não que meu íntimo seja antissocial, simplesmente me apego aos gestos que me remetem ao próximo. Como no meu andar, onde meus vizinhos de porta idolatram aqueles cachorros de carra amarrotada deles, saem todo o domingo com eles numa "viagem" até o parque do outro lado da cidade; O cara que mora ao lado deles, no 507, coleciona amantes incrivelmente parecidas; Já meus vizinhos da direita são donos do ritual incômodo de brigarem aos quatro elementos. Na segunda o problema é a comida, na terça as crianças, na quarta a bebida, na quinta retorna-se a algum motivo e segue-se. As vezes o choro, outras os gritos, alguns tapas e muita quebradeira fazem parte da trilha sonora. Por que nunca reclamei do barulho? Todos já reclamamos. Chamamos o síndico, a polícia, o conselho... faltou só um exorcista. Nunca se resolveu. Cansamos, acostumamos, e eu me habituei aos ruídos aniquiladores. 
Sabia que minha quarta seria uma sequência de palavrões e distratos. Não foi, contudo. Cheguei e senti o silêncio pairar. Uma, duas, três horas de uma calmaria nauseante, a qual se esfarelou por cinco estrondosos tiros e o correr desvairado daquela mulher esvaída em sangue. O silêncio instaurou-se novamente, acho que seletivamente. Vi as imagens acontecerem emudecidas por um terror que não era meu. Mente minha divagou, caiu nas palavras de minha avó, que trêmula afirmava: "Nunca queira saber o porquê do temor que há no silêncio." Infelicidade minha, descobri.



This entry was posted on 3 de out. de 2015 and is filed under , , , , , , , . You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0 . You can leave a response .

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"Nunca houve no mundo duas opiniões iguais, nem dois fios de cabelo ou grãos. A qualidade mais universal é a diversidade." [ Michel de Montaigne ]

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