Last Verse of Your Last Song*

Não sei exatamente por onde começar. Tenho, no entanto, que compartilhar cada detalhe vivido e que nem mais ouso provar. Ainda escuto o tilintar daqueles segundos, que agora correm pelo meu ser como se frutos de uma viagem ruim, de um êxtase rompido pelo descaso de um olhar. Ainda sinto o cheiro abafado dos mundanos estágios da loucura. Conheço bem a sina a que destinei meus passos, não hei de reclamar dela. Lamento, contudo, o que não poderei experimentar por inconsequente ter sido.

A juventude é algo assim, invade, posiciona e arrebata o pouco de juízo que nos é implantado na infância. Não digo que para todos exerça o mesmo efeito, mas para os que, assim como eu, nasceram sob a égide intensa do fogo, ultrapassa-se os limites, pelo simples fato deles existirem. Nunca fui de temer o perigo, procurava-o, atiçava-o. Era, o que se pode chamar, de pura insensatez.

A primeira vez que provei do sabor açucarado da adrenalina, não parei. Tornara-se vital, parte minha, algo como um pulmão, um fígado. E o que principiou com uma falha minúscula, uma dose de algo proibido, culminou em sangue. Não que tenha premeditado, não querendo eximir-me de culpa, não justificando meus atos, mas fui vítima da intensidade que aprendi a idolatrar.

Num dia corriqueiro, após algumas várias formas de alucinógenos, saímos a procura de encrenca. Banidos de bares, enxotados das ruas, agredidos por estranhos, pegamos o carro – eu dirigindo – e corremos por estas rodovias. Para que respeitar os sinais? Para que preocupar-me com meus atos, se no saber do vício em anestesia esbaldo-me?

Percorrendo pelo acinzentado concreto, apenas vultos pouco iluminados tomam a cena, ao som de gargalhadas etílicas nem notei que meu descuido acabaria num estrondo. O que se passou a seguir durou a eternidade em segundos, uma mistura indescritível de sons, de expectativa, de medo – muito medo.

Acordei-me com dores, cambaleando pela saída. Rastejei-me até o acostamento da pista, tentei colocar meus pensamentos em alguma ordem, foi quando fitei, analisei, desandei. Eram tantos destroços, tanta bagunça, tanto sofrimento que parecia ter sido impossível causado por mãos humanas. Fato: Invadi a outra Pista. Fato: Meu companheiro de loucuras não estava bem. Fato: No outro veículo estava uma família. Fato: Não tinha coragem de encarar aquilo, coloquei-me em fuga.

Algo me parou, um ruído baixinho por entre as ferragens. Abaixei-me para olhar, quase morri quando vi aqueles dois olhos atentos tentando sair, espremendo-se pelos cantos. Não tive dúvidas, comecei a agir, a puxar, erguer, retirar tudo que bloqueava a saída daquela menina. Saiu esbaforida, fraca, caindo em meus braços. Enquanto percebia a luz anterior apagar-se daquele olhar, a criança sussurrou:

- Vai permitir que este seja o último verso de sua última canção? – e com isto desvaneceu.

E no grito que já calei, na sobriedade que há muito não sentia, chorei as lágrimas que não imaginei ser capaz de derramar. Soube naquele instante que havia matado um anjo. Os danos irreparáveis, as consequencias devidas, tudo veio de uma só vez. Nunca mais neguei meus atos ou fugi das minhas responsabilidades. Um anjo precisou voltar ao céu mais cedo para que eu percebesse meus erros.

Em que pese, provavelmente, nunca seja capaz de perdoar-me, hoje estou reescrevendo meus dias, modificando a agonia da última estrofe e transmutando os versos de minha canção derradeira.

___________________________
* O título é em referência a música "In your Mind" do Johnny Cash, a qual faz parte da trilha sonora do filme "Os últimos passos de um homem".


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36 Responses to “ Last Verse of Your Last Song* ”

  1. ^^
    n gosto de poema
    mas gostei mto do design do seu blog
    das configuraçoes
    mto bom!
    vo segui
    me segue?
    http://www.speedfilmesonline.blogspot.com/

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  2. Leoo

    Obrigada...
    Mas este texto não é um poema!
    hehehehe

    E meu blog não é voltado para poesias... Meu site pessoal sim... Mas o meu blog é mais sobre um conteúdo cultural genérico...

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  3. Muito bom, gostei mesmo.
    Parabéns... :)

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  4. Legal teu blog.

    Também curto poesias.. e esse texto é legal, apesar de que não li inteiro.

    Depois vejo aqui com mais calma.

    http://filosofandoonline.blogspot.com

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  5. Belíssimo texto, gostei pra caramba mesmo!
    É algo que prende a atenção, e eu também sou meio "sem noção" ao ponto de brincar com o perigo... tem vezes em que eu abuso da sorte =P

    Eu não conheço essa música, mas vou ouvi-la com atenção também.

    Parabéns pelo blog aí, muito sucesso pra você!

    Beijos.

    http://bolajogofc.blogspot.com

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  6. muito bom*--* foi você que fez?você tem talento ^^"

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  7. Achei o texto bem escrito e com um tema interessante. Apesar de breve, consegue atingir bem sua função.

    Beijos,
    Ramiro Catelan
    http://abstraindoarealidade.wordpress.com/

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  8. Aprendemos no amor ou na dor!
    O importante é que de alguma forma APRENDEMOS.

    Belíssimo texto e inteligentíssimo o modo como leva a narrativa!

    Parabéns,

    Sou seu fã!

    Um beijo,
    seuanonimo.blogspot.com

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  9. Olá minha amiga, é sempre muito bom vir aqui pois apesar de não gostar mt de versos, sou um grande fã de seus textos sempre bem escritos e onde dá pra parceber q vc realmente coloca emoção em suas palavras o que acaba se tornando uma leitura gostosa e prazerosa. Parabéns por mais um texto assim.
    Só lembrando que o www.cinemeirosnews.blogspot.com e o www.blog-do-pena.blogspot.com estão atualizados, passe lá depois e confira ok

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  10. gostei
    achei super bem escrito,
    como tdos seu textos
    xD

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  11. Vim aki só rpa dizer que adoro vc !

    bjs

    bY: http://adolescente-antenado.blogspot.com/

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  12. Maravilhoso o texto
    Em pensar que coisas parecidas acontecem todos os dias por esse mundo perdido
    imagino quantos anjos precisaram ser sacrificados para que a sensatez nascesse em uma vida perdida.
    é lamentável.

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  13. Triste esse texto ein!
    Mas mais uma vez, bonito texto :B

    http://analisefc.blogspot.com/

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  14. Muito triste, mas imaginei cada cena :$
    procurei outras palavras para descrever esse texto que embora muito triste ficou lindo. Você escreve perfeitamente bem! Já visitei algumas vezes o blog se me permiti vou seguir *-*

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  15. seu blog é muito bonito visualmente e tem temas muito bons

    parabéns

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  16. Que texto lindo! Parabéns!!

    Curti demais o Design do se Blog!!

    Me lembrou a casa da minha avó...

    http://nomundodojack.blogspot.com/

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  17. Gosto do intimismo, quando este é sombreado de originalidade casual. O grande tumor do intimismo,- principalmente o feminista -, é estar ancorado no cerne de grandes nomes, como Lispector e Colasanti. Frases bordões não são intimismo, e sim jogo de palavras.
    Gostei deste, por ser original e personal.
    E aconselho o intimismo original de "Lavoura Arcaica", de Raduan Nassar.
    ..
    Até mais.

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  18. muito bom teu texto! escreve mtu bem vc.!

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  19. Um poema meio triste!

    Melhoras pra vc

    http://italoopensador.blogspot.com/

    e

    http://vasconsciencia.blogspot.com/

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  20. Parabéns pelo seu blog

    cada dia que passa gosto mais dle

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  21. gosto dos seus texto
    mais prefiros as poesias
    mas ta super bem escrito so achei meio tristin

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  22. Parabéns, você escreve bem! :D
    Sucesso com o blog!

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  23. Parabens, como sempre os seus posts são muito bem feitos

    http://versosestrofes.blogspot.com/

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  24. Confuso o texto, mas acho que expressa teu estado de espirito

    www.ahistoriacomoelafoi.zip.net

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  25. Olá, Karla!
    Parabéns mais uma vez pelo belo post!
    Bjs!
    Rike.

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  26. Nunca fui fã de poesias, mas me encantei com seu estilo.

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  27. Texto muito bem escrito e com um jogo de palavras inteligente!

    Parabéns!

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  28. Next to last song... demais!

    E a morte a nos rondar....

    Abraços!

    F.

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  29. Olá..muito obriga pela sua visita !!
    tem post novo lá.. confere = http://naomaisquetressemanas.blogspot.com
    beeju*

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  30. Gostei desse Texto, é muito bonito, embora eu pense diferente. Parabéns pelo blog, tá muito lindo!!


    http://agarotapsicose.blogspot.com/

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  31. RESPONDENDO AOS COMENTÁRIOS:

    -> Italo e Nathália: Obrigada pelo comentário.
    Este texto é uma história e não uma poesia... Na verdade é uma espécie de campanha para a conscientização da RESPONSABILIDADE NO TRÂNSITO

    -> Augusto: Achou confuso o conto em que sentido?
    Não se trata de um sentimento pessoal, faço em primeira pessoa para criar uma relação, um ar de desabafo do narrador com o Leitor...
    Para que o leitor perceba o sentimento de um motorista irresponsável ao perceber os danos que causou.

    -> Monih: Obrigada...
    Mas... Como pensa diferente?!
    É um conto sobre como a irresponsabilidade no trânsito pode destruir vidas

    :D

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  32. Sim, você escreve bem demais *-*
    Sim, você já me viu no seu blog *-*
    Eu gamei no desing do seu blog, em tudo...

    Beijos, das girls tt
    revistatudoteen.blogspot.com

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  33. muito legal o texto, gostei, por alguns instantes pensei ser algo verídico, mas a cada palavra algo destoava, ao menos ao meu ver, muito boa a forma como você passa o sentimento através das frases, curto muito seus textos

    http://bonecozumbie.blogspot.com

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  34. Karla,

    Não me canso de elogiar você, visto que se presentifica em seus textos. A sua maneira de descrever é encantadora. Queria ser assim também.
    =)
    É muito inteligente a sua maneira de criticar, é perpicaz e sutil a ponto de nem todos entenderem. Mas o faz de forma bela. Parabéns, mais uma vez.
    Sinta-se convidada a voltar ao meu blog, seus comentários são sempre interessantes.
    Beijos!

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"Nunca houve no mundo duas opiniões iguais, nem dois fios de cabelo ou grãos. A qualidade mais universal é a diversidade." [ Michel de Montaigne ]

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